31 de outubro de 2011

Notas Avulsas

Da série (não é ainda bem uma série, mas pode vir a ser, como o comercial do MacSalada) Notas Avulsas:

* Lamentável a reverência servil brasileira à Europa ou aos E.U.A, encontrada até mesmo em alguns acadêmicos em relação (de inferioridade) junto aos estudiosos europeus, considerados "mais eruditos" e de uma "cultura" um (dois, três?) passos adiante. É a velha ideia de civilização eurocêntrica, e o correspondente "pensamento colonizado" que gera. O fim da colônia não extirpou ainda a colonização das ideias, como a da economia, política, etc. Igualmente identificável num movimento que quer impor a escrita acadêmica em línguas como o inglês, e publicar no exterior, "para ser mais lido". Ora, se eu escrevo sobre Brasil ou Espanha, me interessa (ao menos "obrigatoriamente") publicar no Brasil, onde vivo, e/ou na Espanha, meu objeto de estudo. Se os americanos querem saber do Brasil, que aprendam o português! E ninguém reflete sobre o papel de dominação que uma língua veicula. É, ainda existe imperialismo, está démodé, mas ainda existe, no real...

* Aliás, ainda se encontra, especialmente na Filosofia, mas na área de História também, quem use termos como "insofismável", significando "não falsificável pelo discurso", o que só reproduz a visão pejorativa platônica (dogmática) acerca dos Sofistas, ligando-os ainda à ideia de "mercadorização do saber", quando estes tinham uma relação salutar com o Ceticismo. É mesmo a filosofia socrática o auge do pensamento livre? 

* Entra ano sai ano e a tabela do Brasileirão é construída em benefício do Corinthians, com jogos finais que não são clássicos estaduais, com a única exceção do Palmeiras, colocado ali pra "calar a boca" da crítica, mais do que nunca o bando de loucos tem assim um curingão!

* PM no campus da USP? Primeiro que "a Polícia Militar tinha que acabar", como bem disse o Capitão Nascimento no Tropa de Elite 2, pois guarda com zelo as arbitrariedades da época ditatorial. Seria preciso inventar uma nova polícia civil, que tivesse uma formação realmente cidadã. Segundo , ainda estão prendendo usuários de maconha? Isso não é contra a nova lei? Terceiro que tem gente que fale em colocar até o Exército para essas tarefas miúdas. Para uma corporação que comandou o país hein, que decadénce! Apesar de vocês... 

Walter Andrade

7 bilhões de pessoas num mundo sem Drummond

Os homens não melhoraram e matam-se como percevejos/
Os percevejos heroicos renascem/
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado/ E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.


Esse é um trecho de "O sobrevivente", poesia que Carlos Drummond de Andrade publicou em 1930, no livro "Alguma poesia". É, não resta dúvida, curioso para nós que já em data tão recuada do século passado a sensação de saturação do mundo estivesse, para os mais sensíveis, evidente. Esse poema poderia ter sido escrito hoje, 31 de outubro de 2011, quando a ONU revela que o mundo está com sete bilhões de habitantes. Na época em que Drummond publicou seu poema, a população mundial era de, mais ou menos, dois bilhões. Dá vontade de construir um imenso reservatório de água potável (hoje mais difícil de encher do que antes) e garantir que meu filho, quando ele vier, não terá que beber a água do mar. O mundo está mais habitado e mais inóspito. Está, também, sem o poeta de Itabira, que faria aniversário hoje. Impressionante como, num mundo com sete bilhões de pessoas, uma em especial faça tanta falta!


Bruno Silva


(texto dedicado à saudosa professora Elenice, in memoriam)

24 de outubro de 2011

A morte de Kadafi e a questão: como se matar um ditador?

A humanidade tem umas coisas esquisitas. Por exemplo: existiu, durante muitos séculos, uma literatura voltada para as formas do bem-morrer. Ensinava-se a maneira mais adequada para se passar dessa para outra (melhor? pior? igual?). Na idade média, o ideal era morrer de forma lenta e até dolorosa, expiante. Hoje existe um sonho macabro: morrer subitamente, morrer enquanto dorme (o que duvido que seja possível, mas que, certamente, produziria a desconsertante sensação de "acordar morto"). Na idade média, ao contrário, seria signo de azar morrer dessa forma, pois qualquer um poderia ser tocado pela morte em momentos de pecado, além de não sobrar tempo para o arrependimento, a última confissão, etc.
Nos últimos tempos a história ganhou um novo capítulo: como se deve matar um ditador ou terrorista (ou os dois ao mesmo tempo)? Adolf Hitler sumiu do mapa, deixando apenas o contestável vestígio de seus dentes.  O Sadam Hussein foi enforcado, de barba e tudo, gerando desconforto e embrulho de estômago. O Osama jaz insepulto no mar, não houve espetáculo de seu corpo, oque gerou desconfiança e teorias conspiratórias. O Kadafi, segundo indícios, foi torturado pelos responsáveis por sua captura. Além disso, ficou exposto, gerou memória visual, sentimentos de horror por parte de uns e de admiração por parte de outros. Agora há toda uma discussão internacional para se saber se houve crime de tortura, violação de direitos humanos, etc... A conclusão que se tira disso tudo? É que a morte perturba, causa espanto, escandaliza. A morte de quem amamos, a morte de quem não sabemos, a morte dos que nos matam. Heróis ou criminosos, todos tem a sua morte. Sinistra herança. Não se sabe como se deve matar um ditador, mas eles estão aí, morrendo de todas as formas, aumentando o repertório.

Bruno Silva

13 de outubro de 2011

Poesia diagnóstica

Já fui muito ingênuo. Acreditava que eu era um poeta, e que os poetas morriam sempre do coração. Ficava com um caderninho tosco e uma caneta na mão, anotando aquelas coisas que me vinham na cabeça e que eu supunha serem dádivas de Érato. Depois abandonei o caderno, mais ou menos na mesma época em que os homens desaprenderam a escrever à mão. E quando a tristeza sobrevinha, eu a afogava em lágrimas de lúpulo, cevada ou malte. Nunca mais caderno.
Na semana passada adoeci um pouco: fortes dores, distensões no abdômen, dificuldades de locomoção. Várias idas ao posto de saúde, veias tricotadas, exames... descobri uma pequena alteração no fígado. Destino de Prometeu.
Talvez precise voltar para o caderno.

Bruno Silva

1 de outubro de 2011

Eu Vou ao Rock In Rio?

 
O Rock in Rio - quando há rock ou ritmos adjacentes, ou mesmo o pop bem feito - têm sido até aqui melhor que eu esperava (eu e mais muitos pelo que tenho percebido). Algumas pessoas, como eu, que não estavam nem aí pro evento têm se sentido "caramba, será que não vou nenhum dia?".

O Palco Sunset roubou a cena do Palco Mundo, com Joss Stone, Janelle Monae (que é o espetáculo em si, pois é uma performista), Angra + Tarja, Sepultura com a percussão do Tambours du Bronx, Nação Zumbi com Tulipa Ruiz, enfim, misturas bem pensadas e praticadas, de gente que está no evento por amor à música e ao experimentalismo que herda de festivais como Woodstock. No Palco Mundo há obscenidades (de obs-cena, aquilo que deveria não aparecer!), como NX Zero (hemácia!) e Gloria, uma bandinha emocore! no dia do Metal; Claudia Leitte (a apresentadora do Multishow "justificou-a" dizendo que ela entrou "linda, gostosa, um arraso", então bastava colocar uma top model... estamos falando de música ora essa), Ivete Sangalo... que estão tentando enfiar goela abaixo como "unanimidade", inventar uma diva, diva do axé/MPB... Preciso contrariar a mediocracia, que com seus "jornalistas", preterindo Shakira por Ivete, mal disfarçam o eurocentrismo/americanismo (E.U.A)/nacionalismo brasileiro, que não vê a cultura da América Latina (será que a enxerga de verdade?), não dá o devido valor a uma Shakira (que além da boa música é amiga do Gabo!) e que é queridíssima nos E.U.A e na mesmíssima Europa...

E pra você que achou inflexível o que eu disse: Você á a favor de Metallica na Micareta?!

Outra coisa que queria falar é do slogan "Eu vou sem drogas ao Rock in Rio". Apreciei muito o Capital Inicial (vejam vocês!), quando lançou um balão escrito "Operação Lei Seca: Cala a Boca" (poderíamos discutir melhor o assunto, mas não nesse post), e o Marcelo D2 que tocou músicas do Planet Hemp (da época que ele ainda fazia algo de bom). Assim fica meu desprezo a um Emicida, por exemplo, que parece achar necessário justificar a música que faz pela droga que não usa.

Nossa sociedade está entrando numa de "drogas zero", e isso até mesmo quanto às legalizadas, como o cigarro, a bebida, com impostos altíssimos. É perigoso entrarmos nessa lógica funcionalista onde tudo é coerente, eficaz, 100 % saúde e bem-estar... é um mito que se cria da vida completamente saudável, uma obsessão, a medicalização e normalização da existência. Ora, o "normal não é mais que uma média aritmética" (ou uma "médica aritmética", como ia saindo segundo meu lapso), como já observou Georges Canguilhem em O Normal e o Patológico. E eu ainda evoco os mesmos "normais", os surrealistas, os psicanalistas e os demais artistas, aqueles que sabem da importância e necessidade da fuga, do relaxamento da realidade (ou a passagem a uma hiperrealidade), e mesmo a ligação indissociável entre drogas e arte, ao longo dos séculos. O perigo é vivermos numa sociedade tecnocrática, eficiente, onde não há espaço para a fantasia, o sonho, as experiências, onde se encontram trancadas as Portas da Percepção...  

Ah! Ainda estou em busca de ingressos pro dia do Guns N'Roses, uma das bandas-símbolo do Sexo, Drogas e Rock N'Roll...

Walter Andrade

Ps: O negrito é sinal de correção/adição feita ao post original . A propósito, fui à Cidade do Rock, ia assistir do lado de fora, mas uma confusão dos demais com a polícia (além do ingresso inflacionadíssimo) me fez retornar e ver o GNR em casa. ¬¬ (mas nem tão frustrado assim...).