31 de julho de 2011

Da condição humana e outras tragédias

A vida é dinâmica: há sempre novas possibilidades, escolhas a fazer, decisões a tomar... Costuma-se atribuir a essa característica um valor todo especial: é "a graça que a vida tem!". Não há, ou não vejo, razões para tanto júbilo. A decisão mais elementar não nos foi dada, e a questão do Hamlet é apenas ilusória. Não existe a dúvida "ser ou não ser": você é e ponto final. A vida é uma ocupação da qual não se pode tirar férias, se demitir ou se aposentar. Não é grande coisa a condição humana. Resultado de um nado cego na disputa entre milhares, chegamos na vida para já começar a fenecer. Somos uma reunião de seres cujas mãos direitas estão sempre dispostas a atirarem a primeira pedra, mas as esquerdas não apresentam a mesma disponibilidade em lançar para fora a segunda sandália.
"Não adianta beber", dizem alguns; "bebida não resolve os problemas, é só ilusão!". Pode até ser, mas eu prefiro todas as dúvidas do álcool à certeza da pólvora.

Bruno Silva

28 de julho de 2011

De oito às cinco

A vida de repartição é assim mesmo
Café, água mineral e livro de ponto
Relógio com ponteiros de chumbo
O exercício da profissão de estar ali
Um sociabilidade que encontra no dia a dia sua sustentação mais precária.
Perfis que te vigiam e não se sabe porquê
Tem um ofício, um memorando, um telefonema assinalado em local específico
A cidade vai acontecendo ou deixando de acontecer
E você lá, à espera do contracheque
Dourando a pílula e curtindo o tédio
Ao menos sobra tempo para alguma escrita.

Bruno Silva

21 de julho de 2011

"Até o Namoro foi corrompido - pela União Estável".

"Mesmo o concubinato foi corrompido - pelo casamento" - Nietzsche

E eu diria a Nietzsche que na atualidade "Até o namoro foi corrompido - pela união estável".

Hoje, em nome do Direito, você não tem mais direito de ter um relacionamento "alegal", fora dos protocolos da justiça e da lei, sem a chancela do Estado. Mesmo o período de mais de 2 anos para a configuração de uma união "estável" (o que se quer dizer com isso?!) parece ter ido água abaixo:

"A Lei 9.278/96 não estabeleceu prazo mínimo de convivência, tampouco fez menção à existência de filhos como requisito para a sua confirmação... no texto legal, a união é vedada nos mesmos casos de impedimento de casamento".

Ora, se as pessoas não estão impedidas de casar (requisito para considerar uma "união estável", não um concubinato - que é definido como relações não eventuais entre um homem e uma mulher impedidos de casar), eu dizia, ora ora, se não se casam é porque não o querem! Ou, como diz este sábio ditado popular: "Quando um não quer, dois não brigam".

A assimilação do namoro pela figura jurídica da união estável nada mais é que uma espécie de casamento forçado. E com ele vão todas as amarras econômicas: pensão, herança, comunhão parcial de bens, direitos e deveres recíprocos... Pois você, meu caro, que está namorando (que pensava, quem sabe, ter um "relacionamento leve" e apenas baseado no sentimento), não precisa mais pensar em/ou se quer noivar, casar ou não (com todas as considerações filosóficas ou não que você possa ter sobre o assunto): o Estado decidirá o regime jurídico do seu relacionamento afetivo. Gostaria de ver o liberalismo aparecer agora, reclamando contra o alargamento da intervenção estatal em assunto privado. Mas nosso liberalismo é de mandrake, só quer saber de defender a propriedade privada e o mercado. O máximo que nos dão é um direito do consumidor...

Walter Andrade

5 de julho de 2011

Mi Buenos Aires Querido

Como começar quando escrever sobre uma viagem é uma tentativa de reconstituição sempre, senão de todo inútil, por supuesto fadada ao quase isso, à prolixidade, ao "principal que fica fora do resumo"?

Hoje, para pessoas "baratadas", as anteninhas, os satélites e toda a informática nos permitem e sugerem viajar sem sair de casa, ou viajar antes da viagem. De modo que as fotos que você pode tirar de um lugar não diferem em quase nada das semelhantes que vemos na internet (com a ressalva daquelas em que você mesmo sai na foto). Sin embargo, nenhum Google Earth (estamos nós de novo falando dele!) pode te dar a sensação de visitar com seu próprio corpo os locais que você desejaria ir. Quanto menos esse texto que vos escrevo! Admitindo de antemão as limitações da empresa, seguimos viagem...

Há anos queria ir a Buenos Aires. Acho que há pelo menos uns 3 calendários completos a ideia tornou-se mais fixa. E fui agora, quando menos tinha condições financeiras...talvez quando mais precisasse então...

A cidade é muito além das expectativas. Vamos começar pelo humano nela. A rivalidade entre argentinos e brasileiros é patente, logo você não pode esperar ser bem tratado lá. ERRADO. Nunca fui tão bem tratado em toda a minha vida por pessoas desconhecidas. E não pense você que era por causa do dinheiro-de-turista! Porque qualquer um na rua fornecia informações bem explicadas (e até não perguntadas) sobre tudo que você quisesse saber da cidade... A única exceção, talvez universal, seja a dos taxistas, malandros que só, mas já sabíamos disso (somos cariocas!), então não caímos...

Ônibus coloridos de Buenos Aires
O transporte público lá é mais antigo que o nosso, tanto na infra-estrutura quanto nos próprios veículos. Pero são muito bem conservados, limpinhos (exceção talvez do Subte, o metrô de lá, e de alguns trens, que, no entanto, ligam toda a cidade...), os ônibus são bem coloridos, a suspensão em dia, e o preço, equivalente a menos de R$1 em média por viagem (falo do sistema de transporte público como um todo)! (Na volta pegamos aquele Real azul, do Galeão à Alvorada, confortável certo? Pois a direção agressiva do motorista já tinha desconjuntado o coletivo de modo que a suspensão estava horrível, ah! R$9...).

Andar em Buenos Aires é como voltar no tempo, para a década de 1990. Neon nas propagandas, bom número de carros antigos, letreiros de farmácia como os de filmes que se passam no Nordeste brasileiro...  O Rio de Janeiro é a cidade mais avançada da América do Sul, provavelmente.

A cidade é relativamente pequena, de maneira que fizemos quase tudo à pé (e parece ser hábito hermano também). Ficamos em San Telmo, espécie de Santa Tereza de lá (sem ser no morro), fomos
Casa Rosada iluminada à noite


ao centro histórico no 1º dia (Casa Rosada, Congresso, Cabildo... a parte "obrigatória" da viagem). No 2º saímos da cidade rumo ao Delta do Rio Tigre (passando por umas ilhazinhas bonitas com casas de veraneio), quando conhecemos o trem urbano (passamos pela Recoleta e Palermo, e quase sempre como um ônibus, já que não há tanto os muros entre o trem e a rua, nem o tal "espaço entre o trem e a plataforma"), e o tren de la costa, um pouco mais caro porque turístico ($32 pesos), margeando o Rio da Prata. No derradeiro dia fomos à La Boca, ver o Caminito (menor casa do mundo, de apenas 2 metros de largura), o estádio do Boca, comprar souvenirs e assistir um showzinho de Tango num restaurante, à noite fechamos com Puerto Madero, espécie de Barra da Tijuca (por causa de um grande shopping, o único que vimos em Buenos Aires), mas com poucos prédios e sem a privatização-condominização do espaço público e da existência, como o é aqui..

Teatro Colón
Detalhe: Quase não ouvi música ruim em todas as andanças. Tango (claro), pop-rock argentino, música internacional (quando apareciam algumas pop's ruins; aliás, americanas quase sempre). É preciso dizer que Carlos Gardel é praticamente unanimidade, um mito nacional que sobrepuja de fato todos os outros músicos argentinos. De Astor Piazolla não tive notícia... mas fui ver o Teatro Colón, onde ele tocou seu Concierto para Bandoneóns! 



Michel Foucault em banca de jornal!



Buenos Aires é muito politizada. Vimos 2 manifestações políticas num só dia. Visitamos a Universidad Popular de las Madres de Plaza de Mayo (não deu tempo de vermos a Universidad de Buenos Aires). Ademais, é preciso dizer que era necessário que o conto "O Memorioso" fosse escrito por um argentino, Borges: a capital argentina vive uma hiper-memória, museus surgem frequentemente, as manifestações clamam "proibido olvidar...nos." "Memória y Justiça, Juicio y Castigo..." aos partícipes da ditadura por exemplo, incluso a juízes que foram negligentes ou cúmplices da mesma. Vimos até um ato simbólico de uma associação catalã pela autonomia face à Espanha! A despolitização atual do Rio deve muito ter a ver com a transferência
Reivindicação no chão de Justiça de Transição Pós-Ditadura
da capital para Brasília, como me lembrou Bruno, além de outros fatores talvez inumeráveis... Ademais, é de se notar que o fanatismo pelo futebol, que os argentinos compartilham conosco, não os cega para a política... Aliás, vimos in loco a grande cobertura sobre o já provável rebaixamento do Monumental River Plate (confirmado pouco depois de termos deixado a cidade).

 
Bife de Costilla com Papas Fritas!
A comida (ah a comida!). Cada bife de costela! cada massa deliciosa (lasanha com queijo roquefort, pizza ao estilo italiano, fininha e com muito molho de tomate, daqueles que não se encontra nos supermercados). A carne vem com pouco sal para o paladar brasileiro. O que muito se deve ao fato de eles fazerem-na sem sal grosso, por exemplo, porque desidrata a carne. O sistema de churrasco é diferente (Parilla), já que há uma chapa que isola a carne da brasa, usando somente o calor para assá-la, não influindo assim em seu sabor, etc...).

O câmbio é favorável: cada R$1 troquei por $2,43 pesos, no Banco de la Nación Argentina, no próprio Aeroporto. As moedas são escassas e essenciais, para os ônibus (ah! o motorista não dá troco enquanto dirige, há uma maquininha para as moedas e uma outra semelhante ao "Riocard"). O castelhano achei tranquilo, só era difícil quando um ou outro falava rápido demais, o que é natural. Foi uma mão na roda ter decorado alguns essenciais “falsos amigos”, já que acordar significa lembrar, cancelar e abonar é pagar (!), chorizo é lingüiça ou bife de chorizo (contra-filé), além dos já conhecidos pelos comerciais do CCAA (mas saí de lá tendo comido e sem saber o que é o Vacío! nem na net encontrei a tradução). Ah! O choripán é uma delícia, versão do nosso famoso pão com lingüiça.

Viagem que começou antes do voo, na internet e na cabeça. E que nunca terminará, já que a memória sempre a reviverá e remodelará. E por mais que tudo esteja disponível virtualmente, o que nos salva é que não é possível substituir a experiência pessoal e singular de estar-lá ou em qualquer outro lugar. Amyr Klink já disse algo parecido...

Walter Andrade

Ps: Não consegui fazer um texto menor... e tentei dar uma dimensão mais humana e menos superficialmente "turística"; só pude ainda selecionar poucas fotos, para interpor no texto. Para mais fotos é só procurar pelo nome dos lugares.