22 de agosto de 2011

A Ideológica Caridade de um Criança Esperança...

Aproveitando o ensejo de uma crítica feita por um amigo (Dian) à dedução fiscal de que a Globo se utiliza com o "Criança Esperança", preferi publicar aqui o comentário que postaria no facebook (que estava se estendendo demais pra uma rede social... rs).

Interessante que os anos passem e os valores de doação aumentem (inclusive o mínimo, este ano R$7, e os demais R$20 e R$40), índice do crescimento do salário ou da inflação/desvalorização da moeda, ou ainda da ambição e necessidades globistas?

A caridade dos grandes sempre foi compensação (mínima) da desigualdade social, com o intuito de manter o status quo sob o alarde de uma solidariedade social das elites, meio durkheimiana, um modo de diminuir as tensões e os conflitos sociais, de classe (é, ninguém mais fala, mas não é por esse pudor ou olvido que elas não existem, né Prof. Rômulo!?), "pacificando" a sociedade. Que um bom número acredite verdadeiramente na caridade advém talvez do catolicismo (ainda e talvez daqui a pouco não mais) dominante e, concedo, da bondade de coração que uns e outros possam ter (alguém há de ter isso!). Eu, contraditório como todo ser humano o é, digo que sou um "humanista à distância", que não aprecia muito o contato social, nem sou um otimista antropológico...

Mas que as pessoas não se enganem (e muitos me parecem estar contidos na frase "Eu quase que nada sei mas desconfio de muita coisa..."), não esqueçam do óbvio: São Gonçalo continua miserável, o Fome Zero fracassou, e Capitalismo Solidário é, em boa e velha lógica, uma contradição em termos, em termos uma TV que chama os jovens desempregados europeus de "criminosos", "marginais", e que quer salvar as crianças brasileiras...

Mas são tudo exemplos, não se trata de uma conspiração, mas de uma estrutura social (o tal "sistema"). Se existe comida no mundo suficiente para alimentar a todos, porque o homem, que segundo filosofias (já) comuns é racional, não divide em justiça os produtos da natureza e do seu trabalho? É que a maior parte do tempo ele é uma besta. Que não venham achar que eu acredito na felicidade do homem! Num mundo sem fome continuariam a existir crimes passionais, tragédias sem conta, mesquinharias... Porém ninguém deixaria de ter a dignidade mínima das condições básicas de sobrevivência, com um programa habitacional realmente revolucionário, bom sistema de saúde, educação etc.

Apenas aqui do ponto de vista econômico - já que eu não defendo a "ditadura do proletariado", o comunismo soviético; socialismo sem liberdade é outro tipo de escravidão... mas, do ponto de vista econômico, a União Soviética em menos de 50 anos saiu da terra feudal ao espaço sideral! (o foguete que explodiu foi da NASA...). Só um exemplo do quanto se pode fazer com uma economia planificada, socialista.

Walter Andrade

19 de agosto de 2011

''O tempo é o vento'': da condição humana, parte II

Mais do que medir e projetar, os relógios e calendários procuram reter o tempo em sua tragetória irregular. Muitos dizem, todos percebem: o tempo anda cada vez mais rápido.
Atravessando o Rio de ônibus - nunca a nado -, por vezes tenho a certeza de que não conseguirei cumprir o cronograma que, para minha tristeza e miséria, eu mesmo ajudei a estabelecer, por iniciativa (raras vezes) ou omissão.
O relógio de pulso eu já abandonei, tantas foram as vezes em que insistiu em fazer a coisa certa: parava de quando em quando. Eu é que nunca aprendi; eu e os de minha espécie. Não conseguimos deixar de ser, nem deixar de passar: não podemos ser para sempre (oxalá!, talvez...).
''Vai tudo a cem por hora!'': expressão hoje desatualizada, pois quem vai a cem atrasa o trânsito da vida, para o qual não foi projetada via alternativa.
O bom de tudo isso? O inferno pode não durar para sempre. O mal? O paraíso também não.


Bruno Silva

16 de agosto de 2011

Sobre Animalidade, Cultura Humana e Arte

 Voltando a "Sobre Herois e Tumbas", do escritor argentino Ernesto Sábato (tinha parado a leitura faltando umas 40 páginas e a retomei agora), não resisti a postar um trecho transcendental da obra, e que ademais dialoga com o post sobre "a lição do sabiá" e com o próprio fato de escrevermos - os autores do blog - contos. Vale a pena a leitura das penas humanas que segue...

"E naquele reduto solitário me punha a escrever contos. Agora noto que escrevia cada vez que estava infeliz, que me sentia só ou desajustado no mundo em que me coubera nascer. E me pergunto se não será sempre assim, que a arte de nosso tempo, essa arte tensa e desgarrada, nasça invariavelmente de nosso desajuste, de nossa ansiedade e de nosso descontentamento. Uma espécie de tentativa de reconciliação com o universo dessa raça de frágeis, inquietas e anelantes criaturas que são os seres humanos. Posto que os animais dela não necessitam: basta-lhes viver. Pois sua existência desliza harmoniosamente ao sabor das necessidades atávicas. E ao pássaro bastam algumas sementinhas ou insetos, uma árvore onde construir seu ninho, grandes espaços para voar; e sua vida transcorre desde seu nascimento até sua morte em um venturoso ritmo que não é perturbado jamais nem pelo desespero metafísico, nem pela loucura. Ao passo que o homem, ao levantar-se sobre as duas patas traseiras e ao converter em machado a primeira pedra afiada, instituiu as bases de sua grandeza mas também as origens de sua angústia; pois com suas mãos e com os instrumentos feitos com suas mãos iria erigir essa construção tão poderosa e estranha que se chama cultura e iria assim começar seu extravio, já que deixou de ser um simples animal, mas não chegou a ser o deus que seu espírito lhe sugere. Será esse ser dual e desgraçado que se move e vive entre a terra dos animais e o céu de seus deuses, que perdeu o paraíso terrestre de sua inocência e não ganhou o paraíso celeste de sua redenção. Esse ser dolorido e enfermo do espírito que se perguntará, pela primeira vez, sobre o porquê de sua existência. E assim as mãos, e depois aquele machado, aquele fogo, e depois a ciência e a técnica irão cavando cada dia mais o abismo que o separa de sua raça originária e de sua felicidade zoológica. E a cidade será finalmente a última etapa de sua louca carreira, a expressão máxima de seu orgulho e a máxima forma de sua alienação. E então seres descontentes, um pouco cegos e um pouco enlouquecidos, tentam recuperar às apalpadelas aquela harmonia perdida com o mistério e o sangue, pintando ou escrevendo uma realidade distinta da que infelizmente os rodeia, uma realidade amiúde de aparência fantástica e dementada, mas que, coisa curiosa, vem a ser finalmente mais profunda e verdadeira que a cotidiana. E assim, sonhando um pouco por todos, esses seres frágeis conseguem erguer-se sobre sua desventura individual e se convertem em intérpretes e até salvadores (dolorosos) do destino coletivo. Mas minha infelicidade foi sempre dupla, porque minha debilidade, meu espírito contemplativo, minha indecisão, minha abulia, me impediram sempre de alcançar essa nova ordem, esse novo cosmos que é a obra de arte; e acabei sempre por cair dos andaimes daquela anelada construção que me salvaria. E ao cair, machucado e duplamente entristecido, acudi em busca dos simples seres humanos".

Walter Andrade

14 de agosto de 2011

Um Contraponto ao Discurso Global em plena Globo (G1)!

 

Contra o ponto de vista "imparcial" da Rede Globo, que vem tratando dos protestos de rua em Londres e outras cidades inglesas como simples "anarquia", "crime" e "violência" gratuitas, é que compartilhamos este vídeo. Vejam que a todo momento os jornalistas do G1 tentam fazer que o sociólogo Silvio Caccia Bava subscreva a versão global para os acontecimentos britânicos, no que é, sem irritações manifestas, continuamente obliterada pelo estudioso. Nesse post, portanto, apenas ecoaremos e reproduziremos a fala do pesquisador. Sinalizamos, assim, como o neoliberalismo corta as conquistas sociais dos jovens europeus em momentos de crise, como o que está em jogo lá (como aqui e em todo o mundo) é a disputa entre um modelo de Estado de bem-estar social (com socialização das oportunidades de melhores condições de vida, estudo, trabalho...) e um modelo neoliberal que tudo quer privar-nos por privatizar-nos e a tudo o mais, favorecendo ao lucro de uma percentagem irrisória da humanidade os recursos naturais e o trabalho de bilhões de pessoas, o que se chama, em Economia, "mais-valia" ou "apropriação do trabalho pelo capital".

Walter Andrade

9 de agosto de 2011

A lição da Sabiá

Por ocasião dos preparativos do "Arraiá Medinense" tive oportunidade de me favorecer da hospitalidade dos Medina em Piraí. Sem muito o que fazer no mais do dia, e sem muitos com quem conversar até a noite de sexta feira, estive vagando pela graciosa propriedade da família: flora magnífica, rio cortando o sítio e uma infinidade de aves. De repente, a ideia: "e se eu colocasse a música Black Bird, dos Beatles!? Ficaria ainda melhor, enriquecida pelos cantos dessas aves!". Como sempre, a uma ideia idiota sempre corresponde outra: "Será que o canto do Melro, que é usado na gravação da música, despertará a atenção dessas aves despreocupadas daqui?" Coloca-se a música, o comportamento dos bichinhos não revela nenhuma modificação... a música, esta sim, ficou melhor. Já satisfeito com o sucesso da primeira missão, sou surpreendido pela aproximação de uma sabiá (ou um sabiá, que as duas formas são utilizadas pela sabedoria popular, vide a música "Sabiá" do Tom Jobim). O bichinho me fita profundamente, encaro-o com expectativa: "vai responder ao canto, ou, e nada é impossível, talvez me dirija alguma palavra de conforto passarinhesco!" O bichinho chega ainda mais perto, cerra os olhinhos: "é agora!", penso eu. Palavra nenhuma:  a sabiá faz seu cocô e levanta vôo. E esse é o melhor ensinamento que se podia dar a alguém.

Bruno Silva