30 de janeiro de 2012

A felicidade cabe numa rede



Estive pensando na felicidade que encontro quando estou desfalecido na rede, como um Marat assassinado. Não peço e não preciso de mais nada para estar bem. A ideia é bem poética, mas logo vem a evidência materialista para atrapalhar: uma rede não flutua no espaço; é preciso dois ganchos que a sustenham. Ganchos não possuem asas, precisam ser fixados em dois pontos fixos. Até poderia usar duas árvores, mas então vem a prefeitura, o proprietário, ou mesmo um pássaro no seu momento mais íntimo e aí... Reclamemos, pois, o conforto de um teto sobre a rede, para que ninguém venha encher a paciência. Mas casas custam dinheiro; dinheiro não nasce em árvore (olha a árvore, não resolvendo pela segunda vez o meu problema!). Vamos atrás do dinheiro para o teto. Mas é a estória do "Capitão de Indústria", música dos irmãos Valle, gravada pelos Paralamas do Sucesso: "Eu acordo prá trabalhar/ Eu durmo prá trabalhar/ Eu corro prá trabalhar/ Eu não tenho tempo de ter/ O tempo livre de ser/ De nada ter que fazer..." Não dá pra ficar o tempo todo em cima da rede, assim como não dá para ser feliz o tempo inteiro. Uma hora você tem que se levantar, mas até lá...




Bruno Silva

23 de janeiro de 2012

Niilismo em raso mar!

Bela Foto de Satélite do Naufrágio
Contraste entre o Colosso e as Comuns Embarcações










O Cruzeiro Concordia desrealizou o seu nome: indignação comungada como uma missa, heroicização da pessoa que cumpria docilmente sua função. Há algo de recusa hierárquica na atitude do comandante do navio, de não se submeter a ordens de alguém da capitania dos portos. Há também, quiçá, qualquer coisa de simplesmente intangível no abandonar do navio pelo comandante: cito aqui Bukowski, não para justificar tal ato - Bukowski nunca será citado por um advogado num tribunal real - mas para compreender, se foi mesmo isto que ocorreu:

"Andava com mania de suicídio e com crises de depressão aguda; não suportava ajuntamentos perto de mim e, acima de tudo, não tolerava entrar em fila comprida pra esperar seja lá o que fosse. E é nisso que toda a sociedade está se transformando: em longas filas à espera de alguma coisa. Tentei me matar com gás e não consegui. Mas tinha outro problema. Levantar da cama. Sempre tive ódio disso. Vivia afirmando: 'as duas maiores invenções da humanidade foram a cama e a bomba atômica; não saindo da primeira, a gente se salva, e, soltando a segunda, se acaba com tudo'. Acharam que estava louco. Brincadeira de criança, é só disso que essa gente entende: brincadeira de criança - passam da placenta pro túmulo sem nem se abalar com este horror que é a vida".


Fiquei refletindo sobre isso quando imaginei a cena do comandante em seu bote, num momento de epifania, olhando fascinado e hipnótico para o navio a naufragar, um colosso afundado por "simples" pedras drummondianas (que agora o sustentam, evitando seu pleno afundamento), negligenciando auxílio aos passageiros em filas pânicas, em seu horror à mutação ligeira daquelas pessoas dantes civilizadamente, irrefletidamente, felizes. Não consigo esconder em um de mim (qual, quain?) uma certa simpatia por ele. Crucificar-me-ão, claro, reação instantânea, e por isso instintiva e impensada.

Walter Andrade

PS: Vi o anúncio nos cinemas de que a versão em 3D de TITANIC será exibida. Estranha "coincidência casual", ou propaganda real para um filme baseado em fatos reais, que reeditará numa dimensão a mais o esplendoroso sucesso de bilheteria!

17 de janeiro de 2012

Estupro de BBB - Um Contributo Histórico


Já vai milenarmente incutido em nossas mentes uma crítica de "sólidos" e metafísicos princípios à sociedade do espetáculo, que põem o efêmero, a aparência e o fútil como manifestações superficiais, do outro lado do discurso verdadeiro e, para além do epidérmico, sob o signo do engodo - diríamos mais modernamente também sob o emblema dos interesses privados (Gilles Lipovetsky. O Império do Efêmero). Que esta descrição adapte-se com louvor à TV Globo, não se está muito longe do verossímil em muitos casos. Ocorre que nenhuma análise apriorística pode ter lugar quando ainda não se sabe se realmente ocorreu um estupro no BBB atual - que eu nem vi, aliás, só flashes sobre o caso. Não se pode aventar tão levianamente a ideia do "bode expiatório", do "racismo" (o rapaz era até contra cotas, estaria realizando talvez um serviço à Globo), da busca desenfreada por Ibope (que na verdade despencou desde então). Eu induzo que ocorreu sim, dada a sumária expulsão do "Brother" (que seria além de estupro um incesto?! rs), sem qualquer defesa feita pelo mesmo (contra a expulsão) e a investigação que a Polícia está fazendo, incluso com intervenção da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres. Tanto mais que "estupro de vulnerável" não exige "penetração", "apenas" abuso sexual.

A outra "justificativa" da total indiferença pelo caso é mais profunda, e se disfarça sob a ideia de que "devia-se usar o twitter e outros canais para detonar o Sarney e a corrupção, os reais problemas do país, não para expulsar um Brother". Ora... primeiro que uma coisa não inviabiliza, sem mais, a outra. Segundo que se está a querer dizer que o estupro então não é um "problema real do país"? Aí adentramos, quer queiramos ou não, no terreno da cultura do machismo, e aqui eu trago um contributo histórico à questão.

"O estupro na Era Moderna (Sécs XVI-XVIII) configurava uma transgressão moral associada aos crimes contra os costumes - fornicação, adultério, sodomia, bestialidade - e não aos crimes de sangue. Pertencia ao universo do impudor, sendo gozo ilícito antes que violência corporal. A visão moralizada do crime reforçava o silêncio da vítima sobre a violência sexual, envolvendo a vítima na indignidade do ato, transformando em infâmia o simples fato de ela ter vivido, pelos sentidos e pelos gestos, a transgressão condenada. O estupro só passou a ser considerado legalmente violência moral e física a partir do século XIX. Esta nova visão não permitiu, contudo, superar a vergonha da vítima ou a suspeita do investigador. Isto significa  que esses limites confirmam a manutenção da dominação sobre a mulher, a existência de um julgamento de saída inigualitário, a estabilidade relativa dos costumes, apesar da inegável mudança na lei. Elas ilustram ainda a duradoura dificuldade de levar materialmente em conta a consciência da vítima, de objetivar suas falhas interiores, essas perturbações do dominado pelas quais a violência é reforçada".


(Itálicos nossos, fragmentos selecionados e parafraseados de VIGARELLO, Georges. História do Estupro: A Violência Sexual nos Séculos XVI-XX. Jorge Zahar Editor: 1998).

Como se vê, a suspeita apriorística sobre a vítima de estupro ainda prossegue, a inexistência de uma educação realmente igualitária, no campo sexual, que ensine um homem a conter seus impulsos quando necessário, para não falar já da ideia comum de que mulher que usa pouca roupa está "pedindo" estupro, que é já puta. Ora, puta quer dinheiro por sexo, não estupro, e tem ainda o direito de não querer um dado cliente. Tudo isto demonstra que o estupro ainda prossegue, nos costumes, filiado à esfera do impudor e do machismo, antes que do crime. E assim, via BBB, um programa sem dúvida fútil, que eu particularmente não suporto, podemos sim, porque não?, discutirmos problemas reais do país, quando a ocasião assim surgir.

Walter Andrade

11 de janeiro de 2012

A Visita de Eduardo Paes à Barra de Guaratiba ou O Paraíso também tem seus Infernos



Barra de Guaratiba é conhecida pelo seu tradicional roteiro turístico-gastronômico, pelo Sítio Burle Marx, belas praias, algumas com trilhas, a Restinga da Marambaia...

Desde César Maia, em cujo mandato foi realizada uma reformulação na orla da praia grande, quando traillers foram alterados para os atuais quiosques, que não se via intervenções urbanas no local.

O atual prefeito Eduardo Paes autorizou uma importante obra de tratamento de esgoto na praia grande, que está acabando com as "línguas negras" no local (haviam pelo menos duas grandes), e é para a "inauguração" da estação que o mesmo visitará BG dia 12/01/2012, aproveitando o ensejo para reunir-se com representantes do Polo Gastronômico de Guaratiba, da Associação de Moradores (que nem é legalizada, o que inviabilizaria, ao que parece, a organização do Reveillón pela Prefeitura), onde serão debatidas melhorias para BG.

Com efeito, há muito mais necessidades,.Como ampliar o tratamento de esgoto para a prainha e praia do canto. Outros exemplos são o asfalto da estrada Roberto Burle Marx, que se encontra em estado lamentável e com excesso de quebra-molas. É preciso ainda melhorar o transporte público na região, especialmente para o Recreio/Barra/Zona Sul/Centro, com a introdução de uma nova linha que fizesse o trajeto até a Barra da Tijuca e tivesse intervalo regular de, no mínimo, 30 minutos. Isto evitaria a espera pelo atraso rotineiro do 387 (Barra de Guaratiba - Carioca), que, por ser longo o trajeto e cheio de retenções, sempre atrasa, e cuja empresa Pégasus nada faz para evitá-lo, não colocando mais carros para a linha. Não me parece que o motivo seja alguma restrição por conta de Guaratiba ser "área de reserva ambiental", já que o 867 (Campo Grande - B. Guaratiba) tem uma grande frota, e que lota o local em dias de sol (linha que deveria não passar mais pela Ilha de Guaratiba, e sim seguir até CG via Rio-Santos). Este aliás é outro problema: a superlotação verificada nestes dias. Não há posto policial próximo - seria preciso haver um na entrada para a serra do Grumari - onde a guarda municipal ou PM's deveriam controlar o tráfego de carros, restringindo o acesso apenas para moradores em dias muito concorridos, para além de uma vigilância mais concreta das pessoas na praia e quando há blocos de samba (quando ocorrem brigas e até tiros). Ah! os shows e fogos (e os últimos já foram muito bonitos) no Ano-Novo deveriam voltar, porque as pessoas não deixam de lotar a praia grande mesmo sem...  É preciso dar um pouco de, para usar uma palavra meio falaciosa, "sustentabilidade" ao local.

Mas o que se está vendo hoje, um dia antes da visita de Eduardo Paes, são intervenções maquiadoras, com brita emergencial no asfalto próximo às praias, carros da Cedae (há um problema crônico de água na região), reparo do refletor da prainha (que estava sem funcionar há meses). Ao que parece, tudo para que as reclamações sejam amenizadas amanhã...

Walter Andrade

7 de janeiro de 2012

Um Bêbado (com mais bebidas!) vai a um Encontro de AA!

Darrin Porter, Condição: Bêbado Idade: 45 Anos
Darrin Porter, de 45 anos, pode ser considerado o homem errado, no lugar errado, na hora errada. O americano simplesmente invadiu uma reunião dos Alcóolatras [sic] Anônimos em Cincinnati, no estado de Ohio (EUA), completamente embrigado [sic] e carregando algumas garrafas de cerveja.
Os agentes do AA escoltaram Darrin até a rua, mas ele estava decidido a participar do encontro para debater os males que o alcool faz ao homem. Como se negava a deixar o recinto, a polícia teve que ser chamada. Ao ver os guardas, Darrin pediu a eles nome completo, número da identidade e da previdência social.
Darrin foi em cana (olha o trocadilho!) por desordem pública e desacato.
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Glosando a matéria...

Quem nunca pensou em fazer algo parecido?

Darrin Porter (de quem sabemos ao menos o nome!) queria debater os males do alcoolismo com os alcoolatras anônimos; bêbado, claro, e portando mais bebidas, ironicamente talvez. Teve uma consciência crítica no momento mesmo da embriaguez (ou uma atitude sarcástica!). Devia ser enaltecido ou... espíritos bukowskianos o enalteceriam também!, e não preso por desordem pública (talvez por desordem interior alheia!). Mas, como desconfia-se por aí (e por aqui), os alcoolatras anônimos, um pouco como os vegetarianos, não conseguem esconder o gosto (bom!) que sabem que as coisas têm: por isso uns chamam guardas para prender quem leva bebidas - imaginem a tensão nervosa dos AA! - e outros comem carne de soja.

Walter Andrade

Ps: Nunca disse que era o menos sádico...

3 de janeiro de 2012

Tarde-sépia

Ontem de tarde havia uma luz diferente. Tentei capturar uma imagem mas, por sorte, a câmera de meu telefone não funcionou. A única maneira de registrar o instante era o papel e o lápis. Não que eu fosse me por a desenhar: escrevi com minha letra cada vez pior as ideias que me vinham. Choveu muito em todo Estado, com maior prejuízo para os moradores da ainda convalescente região serrana. Espero que o sofrimento dessa gente passe logo, seja breve; como aquela tarde-sépia que a noite carregou.

Tarde-sépia
Chuva fina
Rua derretida

Na calçada
Passos breves
Vão seguindo a vida

Poça d'água
Luz de sódio
Cena revelada

Mas se a noite
Tem neblina
Já não deixa nada

Bruno Silva