31 de dezembro de 2012

"O mundo não sabe que o ano mudou"


"O mundo não sabe que o ano mudou", dizia Artur da Távola, para lembrar que somos o único ente a comemorar o fim do ano. A data de hoje só possui significado para o ser humano, e mesmo assim não para todos. Como o mundo não acabou (e, ao que parece, não acabará muito em breve) talvez devêssemos fazer as contas do que nos espera em 2013: este fará uma dieta, aquele deixará o cigarro; esta comprará bicicleta, a outra não beberá gota alcoólica.
Parece que o branco ainda predomina sobre o amarelo nas vestes da passagem de ano. Sincero ou não, ainda é um bom sinal. O ano que se avizinha tem bagagem parecida com a de seus antecessores. Ao imprevisto é que cabem as surpresas. Fará calor, choverá de vez em quando. Indiferente ao calendário, o mundo não estará diferente em 2013. Você estará?
A paz continuará cavando seu espaço. A intolerância, pertinaz, buscará por todos os meios manter seu território... cada vez menor. Temos uma tarefa tão nobre quanto árdua: conviver na diferença. A felicidade continuará sendo a eterna busca, mas em 2013 ganhará um reforço!

Bruno Silva
                     

22 de dezembro de 2012

O fim do mundo já passou ou vamos fazer um filme?



Já tinha ouvido outras tantas vezes essa estória do mundo se acabar...

Dizia mesmo que desde que o mundo é mundo ou, antes, desde que existem seres humanos no mundo que se pensa em seu fim.

O problema estava, claro, no(s) calendário(s), que não está no mundo mas lhe é imposto pela mesma humanidade. Porque não bastava ao homem imaginar, querer, recear o fim do mundo...era preciso determinar até sua data final!

As numerologias dos anos fechados em zero ou em repetições de números, o fim dos ciclos temporais de civilizações antigas (tudo meio misturado ainda à ideia dos deuses astronautas...), o apocalipse cristão, zumbi, nuclear, meteoros, mudanças climáticas.... e lá ficava o homem, a mulher... a pensar nestas coisas todas.

Mal sabendo que o mundo se acaba a todo instante.
Que mais tempo é menos tempo.

Ou que é justo o contrário disso tudo, que o mundo se renova a cada dia que nasce...

Que pior que o mundo acabar talvez seja continuar como é. Ou aqueles cenários pós-apocalípticos...

Aliás, bem podia ser do mundo não acabar, senão nós acabarmos nele. 
Ficava daí o mundo livre sem nós.

Contudo, se diversas vezes que se disse que ia abaixo o mundo se não acabava, que desmoralização a ideia não sofria? Dava ensejo a memes, brincadeiras, "eu sobrevivi" e etcéteras...ah, e a filmes, claro!

Porém sempre ficava a ideia de que, se não foi desta vez, se pode concluir que da próxima é mais certo que ocorra...Se não chegou ainda é porque deve estar vindo...

Ps: Como esperado, já adiaram novamente o fim do mundo: o mais próximo deles está previsto para 2021, quando se espera o apocalipse ligado ao fim da inversão dos polos magnéticos... Em 2036 o asteroide Apophis pode colidir com a Terra (?). Em 2060 pode chegar o fim do mundo previsto por Isaac Newton em 1704, baseado no livro do Antigo Testamento de Daniel... Só aí temos 3 chances neste século XXI!

Walter Andrade

19 de dezembro de 2012

Papai Noel estilo Bukowski

Papai Noel terminou seu expediente no shopping center, tomou um banho ligeiro e saiu apressadamente, de chinelos e barba molhada. Vai Papai Noel, atravessa a rua fora da faixa, entra num bar:
- Porra, Santa! Até que enfim, pô! Pensei que tinha fugido no seu trenó...
- Vem cá, que porra é essa de Santa? Tá querendo ferrar comigo!? A galera escuta um troço desses e pronto: to fudido pra sempre!
Papai Noel pede um traçado de conhaque com vinho quinado e uma cerveja. Tira um maço de cigarros do bolso e acende um.
- Vou te contar, hoje foi um dos piores dias! O ar condicionado não deu vazão, um chororô de criança... teve um que peidou no meu colo!
Agora os dois estão vermelhos de tanto rir
- Peidou? Puta que o pariu! E você, disse o que?
- Rou, rou, rou! A mãe do fedelho ainda ficou rindo! Mas o pior foi um gordinho que encheu a sacola do pai, berrando e dizendo que queria tirar foto comigo. Fui pegar aquela rolha no colo e ainda tomei um pisão nos bagos! Putz, quase joguei o moleque no chão! A mãe de um outro, maravilhosa, colocou o filho em uma perna minha, sentou na outra e mandou o Zé B. do marido bater uma foto. Vou te contar, meu irmão, minha rena deu até sinal de vida!
- Aí, vida boa do caramba! Tá reclamando, mas vai passar o natal com as burras cheias de dinheiro! Aproveita e paga uma porção de calabresa pra nós.
- Escuta essa: um garotinho me contou que no ano passado ele colocou a meia dele pendurada no portão, pra ganhar presente, coisa e tal... acho que ele queria um tênis do Ben 10. Esse ano ele desistiu de fazer assim e veio falar diretamente comigo.
- O que ele queria?
- O tênis do Ben 10... e uma meia nova, porque levaram a dele no ano passado!

Bruno Silva

18 de dezembro de 2012

Crônica de Natal?

Gerard Von Honthorst:  Adoração dos Pastores. 1622
Escrever a crônica natalina é uma tarefa da qual não se pode esquivar; nem os grandes escritores, nem aquele anônimo, cujo alcance do que escreve ainda pode ser menor do que aquilo que fala para seu círculo mais íntimo. Reviste a antologia de crônicas e você encontrará tantas e tão diversas apreciações do que seja o Natal que poderá pensar que os autores referem-se a festas diferentes.
Existe a crônica de celebração: o clima familiar, a família reunida...; a crônica saudosista: o Natal perdeu seu significado...; a crônica gulosa: ah, os pratos natalinos!...; a crônica cristã-inquisidora: vocês se lembram do aniversariante?...; a cristã crítica: o natal não tem a ver com Cristo, que não nasceu no 25 de dezembro...; a crônica comunista: o papai noel representa o espírito do capitalismo e o imperialismo yankee!...; a crônica capitalista com ternura: chegou o momento de presentear aqueles que amamos!...; as crônicas dos vários pseudo-Veríssimos,...  já chega?
Num universo tão grande, é difícil se direcionar. Eu me lembro que, na minha infância o Natal e a Páscoa eram os únicos momentos em que o azeite entrava no carrinho de mercado. Lembro que a azeitona tinha caroço, e que ficávamos esperando para dar o polimento geral neles, eventualmente sendo beneficiados pela generosidade materna, que deixava passar um caroço com mais azeitona. Hoje a azeitona sem caroço domina, o que bem pode ter seus pontos positivos, tirando o fato de que ficam mais salgadas por causa da conserva. Com certeza esse incômodo passará quando a ciência nos der pílulas de azeitona, ou azeitonas de soja...  
Mas era da tarefa de ser fazer a crônica de Natal que falávamos. Depois que se escreve uma fica difícil voltar ao tema. Já disse que o natal me deixa triste, e isso não mudou. Não há o que dizer de novo, e talvez seja mais difícil ainda no ano que vem. Mas na última crônica eu não desejei feliz Natal pra ninguém, grosseria da qual vou me redimir agora: feliz Natal para todos!

Bruno Silva

8 de dezembro de 2012

Crônica tragicômica

Tendo chegado com duas horas de antecedência, esganei o quanto de tempo pude e deixei o edifício do IFCS, em direção à rua do Ouvidor, muito menos fantástica do que se crê ao terminar um livro de Machado de Assis. Entro inseguro numa confeitaria granfina: Manon. Ainda não sei o que pedir quando, para meu alívio e surpresa, alguém diz "pão na chapa e café". Que bom que não preciso saber francês! Puxo um cachorro do bolso, mas a conta não passa de R$ 2,60! Vou satisfeito para minha mesa; uma tragédia se abaterá sobre mim mas eu ainda não sei.
De volta para o edifício, um galo com uma fita amarrada em seu tornozelo passa na minha frente (13, para quem quiser o palpite). Cumpro de maneira desastrada minha tarefa e saio, atordoado, atrás de chope e bolinhos de bacalhau.
Um dia no centro do Rio de Janeiro pode ser imenso! Entro na Candelária, almoço num fast food, perambulo para lá e para cá e ainda não são duas horas. Procuro algo numa livraria e cometo uma pequena extravagância. Na saída (como escrever isso sem parecer grosseiro?) sou alvejado pelos dejetos de alguma ave de muito maus desígnios. Não acredito que tenha sido um pombo: ele precisaria ser, no mínimo, do tamanho de um chester para conseguir produzir aquela quantidade! Não. Foi alguma espécie parente dos dragões mitológicos, acometida de sérios problemas intestinais, provável habitante de uma árvore da rua Almirante Barroso.Que bom que não tenha sido um vaso de plantas! Pensando assim, o azar até que não foi tanto, e eu devo ter exagerado ao usar o termo "tragédia". De todo modo, vejo-me obrigado a tirar a camisa e a mochila e ficar, no meio de uma tarde ensolarada, em plena avenida Rio Branco, com uma barriga de caminhoneiro, à procura de alguma solução menos embaraçante. Lavo-me em plena rua com uma garrafa de água mineral e compro uma camisa, valendo-me da gentiliza de um vendedor que serviu de intermédio (eu não estava em condições de entrar num aviário, quanto menos em uma loja de roupas!)
Nm dia cão como este, após mais três horas de espera, só me sobrava afogar minhas frustrações com meu amigo no Beco das Sardinhas!

Bruno Silva

4 de dezembro de 2012

A Medicalização da Existência

Os desenhos, feitos por gente grande, já retratavam estereótipos doentios.
Minha vó, que não é intelectual, disse uma frase capital hoje, em conversa telefônica com a vó de outros netos: "Menina (sic), tá muito difícil marcar consulta! as pessoas estão mais doentes que nunca...". Olha que até rima tem, se não tiver razão também... o que tem por certo é cada vez mais brasileiros com algum tipo de seguro, como plano de saúde (em 2003 tínhamos 32 milhões de associados, hoje passam dos 47! uma ampliação de quase 50 % em 8 ou 9 anos!). Mas há mais fatores além do acréscimo de segurados e a consequente busca maior de consultas.

Estamos na encruzilhada - como dizia uma professora antropóloga não há Brasil sem encruzilhada! - entre a medicalização da existência e a hipocondria, cujo mecenato midiático da primeira é cada vez maior com programas até matutinos sobre saúde, segurança alimentar, dietas...para aqueles que acordam cedo ou mal dormem de preocupação! Ah! temos horários para os notívagos também (e sobre eles, why not?), pelo menos um programa mensal do Globo Repórter é sobre o assunto, sem falar nas demais emissoras.

O hipocondríaco é um ser fantástico. Ele é como o metafísico de Voltaire: busca gatos pretos num quarto escuro onde os não há! E pus no plural conscientemente, pois que o hipocondríaco não se satisfaz com uma doença. Inconformados com exames de rotina, fazem os extraordinários também procurando uma segunda , terceira, quarta...doença ou opinião médica, automedicando-se, usando métodos curandeiros alternativos... E com razão! ele está doente, só não entendeu que é por crer que está!, e a força da mente é tal que o seu estado de saúde doença pode mesmo ser induzido pelo que ele pensa que sofre.

Há ainda curiosos casos, como o insólito da descoberta de doenças causadas pela ingestão sistemática de alimentos industrializados. O que as empresas fizeram? Lançaram os produtos light and diet. Uau! Seus problemas acabaram! Isto se você tiver dinheiro pra pagar por estes produtos, que têm assim um diferencial comercial....Como se vê, os problemas não se criam nem se resolvem, apenas se transformam!

Vivemos um poder "mediciático" que - se pode nos fazer viver com mais saúde - pode paradoxalmente nos lançar numa corrida doentia pelo corpo perfeito.

Walter Andrade