18 de outubro de 2012

A Cor Púrpura

Meu pai é um bruto, autêntico leão: só come uma vez por dia, tem mãos pesadas como bigornas, trabalha exposto às intempéries. Seu estilo soviético dos filmes herdeiros da Guerra Fria não exclui, todavia, algumas notas de sensibilidade: veio dele o meu gosto pelo violão; o que não herdei de meu pai foi a devoção à sétima arte. Colecionador, meu pai possui quase novecentos dvds originais. Sabe a posição de cada filme na estante, e é capaz de fornecer uma sinopse autoral de praticamente todos os filmes que possui.
Sou preguiçoso e indiferente ao cinema. Chocam-se os meus conhecidos mais "cults" com essa minha desdita. Por outro lado, gosto muito de alguns poucos filmes, e os revejo de maneira obsessiva. Vez por outra cedo ao conselho paternal e assisto algum de seus favoritos. Foi assim que assisti A Cor Púrpura, baseado no livro de Alice Walker (e aqui será honestidade minha informar que todo o lido até agora constitui apenas uma introdução meio autobiográfica!)
A Cor Púrpura foi a reunião de genialidades:  dirigido por Spilberg, ele marca a estreia de Woopie Goldberg, e conta com a atuação brilhante de Oprah Winfrey, de Dany Glover e de Margaret Avery na pele de uma cantora de blues de cabaré. A trilha é assinada pelo Quincy Jones (produtor de Michael Jackson). Chamou minha atenção a estreia de Woopie pois, tal como aconteceu com o Charlie Sheen em Platoon, foi marcada por uma atuação dramática em um filme até, de alguma forma, pesado. Ela está sensacional numa personagem que quase não tem diálogo no filme, mas cujos olhos enormes transmitem a mais profunda mensagem. Abusada sexualmente pelo homem a quem chamava de pai numa Georgia do início do século XX, ela dá á luz duas crianças das quais é imediatamente separada. Vê-se forçada a um casamento-escravidão com Mister (Dany Glover) enquanto vive assombrada com o destino dos filhos e de sua irmã mais nova, a quem o pai (e posteriormente seu proprio marido) também procura violentar. Celie (Woopie Goldberg) é uma sofredora estóica. Vive preocupada com seus filhos e sua irmã, aparentemente resignada com sua vida. Com a entrada em cena de Shug Avery (Margaret Avery) sua vida sofre uma transformação. Shug é uma paixão vadia de Mister. Quando este a leva para morar em sua casa, um relacionamento afetivo surge entre Shug e Celie. Amante e esposa-escrava se confraternizam, e a força da personalidade de Shug invade Celie. Curiosamente, a primeira relação de carinho experimentada com a libido vem de Shug. Elas se beijam (e o filme é de 85) e se unem em sentimento.
Não convem contar a história do filme. Basta apontar que seu tema fundamental é a redenção: dos pecadores, dos fracos e dos covardes. Acho que é o filme que mais me marcou nos últimos anos.
Para finalizar, é preciso comentar a música-tema do filme: Miss Celie's Blues (Sister). Já a conhecia da gravação de Renato Russo em seu Stonewall Celebretion Concert, mas fiquei duplamente surpreso quando ela surge no filme: primeiro que eu descobri que havia sido feita para o filme, e segundo que a música é de Quincy Jones, Lionel Richie e Rod Temperton, letrista de vários sucessos de Michael Jackson. Isso sem falar na interpretação fantástica de Avery, motivo pelo qual encerro me desculpando pelo tamanho do texto e oferecendo o vídeo como forma de compensar o esforço de quem leu:



Bruno Silva