21 de dezembro de 2013

Relógios e calendários

Desconfio de relógios
Absolutamente, não confio em calendários
O tempo é matéria enganosa, fluida
Toda tentativa de sua exata medição é um fracasso
Quinze minutos de sono, quinze de engarrafamento:
Quem dirá que duram o mesmo?!
Assim com as horas, assim com os anos
Uns voam, outros se arrastam
Este 2013, para mim, não tem medida:
Foi longo porque cheio, breve porque acelerado
Mudei, casei, fui pai
Ao mesmo tempo fui filho, colega, amigo, genro...
Tantos papéis desempenhados, espaços ocupados
Fiquei uma década sem ver pessoas queridas
Pessoas que, até ontem, estavam ao lado
Como medir?
As vezes, dobrando uma esquina, virando um gole, ouvindo uma canção
Eu me transporto para outro tempo, fisicamente
Não é a memória, apenas: sou eu, lá
Calor ou frio, maresia ou vendaval
É meu corpo novamente, experimentando sensações antigas (atuais)
O tempo não existe da forma como supunhamos
Ou fiquei doido
Ou tive uma revelação

Bruno Silva

12 de dezembro de 2013

A enchente é um fenômeno político

Por que será que, ano após ano, as enchentes "surpreendem" as autoridades? A Rede Globo, por exemplo, começou a se tornar o que é graças à cobertura ao vivo que realizou sobre a fatídica enchente de 1966. De lá pra cá, entre dezembro e março sempre tem Natal, Inundação e Carnaval! 
Ninguém deveria se demonstrar surpreso com os cataclismos estivais! Tudo colabora para sua ocorrência: fatores meteorológicos, sócio-econômicos e, principalmente, políticos. A enchente é um fenômeno político: o sistema de drenagem insuficiente (ou sua não-existência), a ausência de políticas habitacionais, a vista grossa para o arrasamento da natureza pelas grandes empresas que destroem os rios (destruindo suas matas ciliares). Tudo isso está diretamente relacionado com o resultado que as urnas consagram. 
Do mesmo modo que a seca e sua miséria se explicam pela política, a enchente guarda esse parentesco, essa filiação, com a classe governante. Pode-se, sem muito esforço, culpar o morador das palafitas, das beiras dos valões, dos subúrbios esquecidos: vocês jogam lixo nas ruas, os bueiros entopem, o lixo volta para vocês, numa espécie de jogo cíclico perverso; mas a coleta de lixo, as políticas de ocupação da terra, as obras de infraestrutura a a correta fiscalização das atividades que degradam o meio ambiente, isso é atribuição dos governantes. 
Cada bueiro entupido significará, nas próximas chuvas veranis, algumas centenas de notas de real para bolsos que não são os nossos. Assim, a chuva significa uma grande oportunidade: será que todo o dinheiro que sai dos cofres federais rumo aos municípios chega ao seu destino? Será que o montante recebido pelos prefeitos é integralmente utilizado para a solução dos problemas? Será que o orçamento feito em situação de calamidade pública esconde algo? Muitas questões e uma saída emprestada do Riobaldo de Guimarães Rosa: "eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa."

O papel que se joga no chão tem culpa. O papel que não se cumpre, tem ainda mais.

Bruno Silva