16 de maio de 2013

Desculpe incomodar sua viagem

O sujeito entra no ônibus e permanece de pé, fitando os passageiros. Depois de uma breve pausa, começa a falar:
- Boa tarde, senhores passageiros! Desculpe incomodar o sossego da sua viagem. Eu sou ex-presidiário, paguei meu débito com a sociedade e estou aqui para saber se algum dos senhores pode me abençoar com uma oportunidade. Muitas vezes o ex-presidiário volta a cometer crimes, a roubar, porque a sociedade não lhe dá outra oportunidade. Eu estou aqui para pedir esta oportunidade para os senhores. Quem puder estar me abençoando com qualquer quantia, que Deus o abençoe. Aqueles que não tiverem como ajudar, que Deus abençoe também. Esse dinheiro, senhores passageiros, será para comprar balas e doces para vender nos ônibus, podendo, assim, levar o sustento para minha família sem precisar voltar ao mundo do crime. Eu nunca mais quero roubar! Obrigado senhores passageiros!
O sujeito começa a percorrer o corredor do ônibus. Alguns passageiros fingem estar dormindo (que é a maneira que muitos encontram para escapar a essas e outras situações cotidianas nos ônibus -sobretudo para não ceder o assento a quem de direito!), outros fixam o olhar pela janela. Alguns entregam moedas.
O sujeito recolhe tudo, agradecido, e põe-se novamente de pé, de costas para o motorista. Ele conta o montante e desabafa:
-Dez reais e quarenta e cinco centavos!... senhores passageiros, a passagem custa dois e setenta e cinco. Vai me sobrar sete reais e pouco! Deus e os senhores são testemunhas de que estou aqui me humilhando para conseguir o meu sustento, mas muitos de vocês endurecem o coração quando veem alguém necessitando de ajuda. Peço desculpas aos que contribuíram, mas eu agora vou assaltá-los! Não quiseram me dar, então eu tomo! 
O sujeito saca um revólver da cintura enquanto anuncia o roubo. Ele recolhe o dinheiro de todos, os celulares, relógios, jóias e até alianças de casamento! Ao final, informa que aquilo foi provocado por eles mesmos, que não souberam ser generosos. Manda o motorista abrir a porta e, para surpresa geral, paga a passagem antes de descer.
Os passageiros, atônitos, custam a acreditar que aquilo lhes sucedeu. O irreal do acontecimento parece informar que tudo se trata de um pesadelo coletivo, do qual acordarão antes do ponto final. Mas nós sabemos que isso não acontecerá. Eles continuarão dormindo. Todos continuaremos a dormir. Estamos no país do sono. Até quando?

Bruno Silva

7 de maio de 2013

As Guerras das Coreias

É isto a animalização do homem, parece gado abatido. Eu não gozo com isso...


A preocupação das últimas semanas com a possibilidade de uma guerra nuclear (finalmente, diriam os de humor negríssimo!) entre a Coreia do Norte e os E.U.A cedeu lugar na semana em que vivenciamos à descoberta da geopolítica na Coreia do Oeste. É, fica ali, no Extremo-Oriente, próximo a Bangu. Só que o caso não abalou só Bangu, mas a opinião pública carioca como um todo. As pessoas em sua maioria estão indignadas! E com a Globo, vejam vocês, só que pelo motivo errado (ou desumano). Muito me intriga as (des)razões escusas da emissora ao transmitir tais imagens, aliado a um frenesi da violência real mas que, com aquela câmera térmica, mais parece uma sorte de GTA: Rio. Gerações viciadas em videogame, filmes violentos e lutas de boxe (e agora de UFC) parecem não entender que aí se trata de ficção ou violência controlada por regras e um juiz mais foda que os oponentes muitas vezes. É de perguntar se essa cultura da imagem desrealizou esse pessoal, que ficaram imersos num mundo fantástico onde não se precisa crer em eternidade da alma pois a salvação dos corpos se encontra a um clique de restart (sem salpicar a tela de sangue real, sem a dor da morte, cadáveres em decomposição com odor fétido, sem ter a vida real interrompida por uma bala perdida). Essa é a visão da classe média, mediana, midiática, medíocre, sobre a realidade.


Naquelas brincadeiras matemáticas em que se falava da morte de milhares de chineses, cambojanos, vietnamitas...poucos conseguiam evitar o riso sádico de que não fazia diferença (são bilhões afinal!) que mal escondia uma implícita hierarquia na ordem das vidas humanas. E hoje a vida de um coreano nunca valeu tão pouco!

Walter Andrade