21 de dezembro de 2014

As palavras que eu diria

Recentemente um amigo meu, dos antigos, passou por uma dor daquelas para as quais não há remédios: a perda de sua mãe. Não pude estar com ele nos momentos difíceis que se seguem a um acontecimento trágico como esse. Eu mesmo estava imerso em outra tragédia familiar quando tudo aconteceu. No entanto, fiquei pensando nas palavras que eu teria para dizer ao meu amigo, no afã de (será possível?) aliviar sua dor.
Ocorreu-me relembrar a esse amigo o significado daquilo que sua vida foi para sua mãe. Diria que seguramente sua mãe jamais teria desejado a inversão da ordem natural (é triste considerar, mas são os filhos que devem ver seus pais partirem, jamais o contrário!). Cumpriu-se, mesmo de forma antecipada, a ordem natural dos acontecimentos. Mas nós sabemos que essa constatação não basta. Eu prosseguiria então ressaltando que a sua mãe, a quem tive o privilégio pessoal de conhecer, teve a graça de ver que o filho fez o caminho mais difícil, que contrariou a logica do sistema desigual e construiu um percurso que lhe assegura condições melhores do que aquelas vividas por seus pais. E isso não é pouca coisa, definitivamente. Muitos sãos os pais que colocam no mundo filhos que serão "seguidores de sina", que reproduzirão nas suas vidas nada mais do que o reflexo da vida de seus pais, como uma maldição, um demônio familiar.
A mãe desse amigo não provou esse amargo: viu o filho alçar vôo e ganhar o horizonte. Escutou uma menina encantadora chamá-la de vovó... teve uma passagem em grande estilo.
Acontece que Deus não pode se privar de companhias como a dela, e houve por bem chamá-la de volta. Certamente os banquetes no céu ganharam em qualidade. Quem sabe se os anjos não ameaçavam uma nova rebelião e Deus, demonstrando a sabedoria que lhE atribuem, preferiu não pagar pra ver, livrando-se, assim, das consequências terríveis que esse tipo de motim costuma trazer (veja-se o que aconteceu da primeira vez!)? A imortalidade cristã talvez andasse ressentida de ver seus colegas olímpicos sempre de mesa farta, enquanto amargavam a frugalidade das refeições quase monacais! Certamente passarão melhor agora, o que seria perfeito se não nos tivessem deixado com essa baixa significativa. Ganham as divindades, perdem os homens.