Por
que será que, ano após ano, as enchentes "surpreendem" as
autoridades? A Rede Globo, por exemplo, começou a se tornar o que é
graças à cobertura ao vivo que realizou sobre a fatídica enchente
de 1966. De lá pra cá, entre dezembro e março sempre tem Natal,
Inundação e Carnaval!
Ninguém
deveria se demonstrar surpreso com os cataclismos estivais! Tudo
colabora para sua ocorrência: fatores meteorológicos,
sócio-econômicos e, principalmente, políticos. A enchente é um
fenômeno político: o sistema de drenagem insuficiente (ou sua
não-existência), a ausência de políticas habitacionais, a vista
grossa para o arrasamento da natureza pelas grandes empresas que
destroem os rios (destruindo suas matas ciliares). Tudo isso está
diretamente relacionado com o resultado que as urnas consagram.
Do
mesmo modo que a seca e sua miséria se explicam pela política, a
enchente guarda esse parentesco, essa filiação, com a classe
governante. Pode-se, sem muito esforço, culpar o morador das
palafitas, das beiras dos valões, dos subúrbios esquecidos: vocês
jogam lixo nas ruas, os bueiros entopem, o lixo volta para vocês,
numa espécie de jogo cíclico perverso; mas a coleta de lixo, as
políticas de ocupação da terra, as obras de infraestrutura a a
correta fiscalização das atividades que degradam o meio ambiente,
isso é atribuição dos governantes.
Cada
bueiro entupido significará, nas próximas chuvas veranis, algumas
centenas de notas de real para bolsos que não são os nossos. Assim,
a chuva significa uma grande oportunidade: será que todo o dinheiro
que sai dos cofres federais rumo aos municípios chega ao seu
destino? Será que o montante recebido pelos prefeitos é
integralmente utilizado para a solução dos problemas? Será que o
orçamento feito em situação de calamidade pública esconde algo?
Muitas questões e uma saída emprestada do Riobaldo de Guimarães
Rosa: "eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita
coisa."
O
papel que se joga no chão tem culpa. O papel que não se cumpre, tem
ainda mais.
Bruno Silva
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