2 de março de 2011

Monopólios, Bingos e Outros Bichos...


"Desde que continuassem trabalhando e procriando, suas outras atividades careciam de importância. Abandonados a si mesmos, tal como o gado solto nos pampas argentinos, haviam regredido ao estilo de vida que lhes parecia natural - uma espécie de modelo ancestral. Nasciam, cresciam pelas sarjetas, começavam a trabalhar aos doze anos, aos trinta chegavam à meia-idade, em geral morriam aos sessenta. Trabalho físico pesado, cuidados com a casa e os filhos, disputas menores com os vizinhos, filmes, futebol, cerveja e, antes de mais nada, jogos de azar, preenchiam o horizonte de suas mentes. Não era difícil mantê-los sob controle"

Parece a descrição de nossas sociedades contemporâneas (em especial a brasileira), e não deixa de ter esse objetivo, mas se trata de um trecho de 1984, de George Orwell... (a despeito das aparências, como nos parecemos com os ingleses!)

Assim como no livro, os jogos de azar/sorte continuam controlados pelo Estado, mais um monopólio (que acho Weber esqueceu de acrescentar), o monopólio da sorte, marginalizando bingos (que a Comissão de Constituição e Justiça (re)aprovou em 2009 e que agora depende da aprovação na Câmara, no Senado e da sanção de Dilma), marginalizando o jogo do bicho, que nasceu nobre - pois foi inventado em 1892 em Vila Isabel pelo barão João Batista Viana Drummond, fundador e proprietário do jardim zoológico do Rio de Janeiro - e hoje já é parte da cultura popular carioca e mesmo se espalhou pelo Brasil. Câmara Cascudo, no seu Dicionário do folclore brasileiro, já dizia ser o jogo do bicho invencível e que "a sua repressão apenas ampliava sua reprodução por todo o país. Vício irresistível, escreveu o folclorista: (…)contra ele a repressão policial apenas multiplica a clandestinidade. O jogo do bicho é invencível. Está, como dizem os viciados, na massa do sangue". Em Ordem e progresso (1959), Gilberto Freyre descreveu o jogo do bicho como uma das poucas atividades sem discriminação de classes no início da república. José Murilo de Carvalho demonstrou (?!) em Os bestializados: Rio de Janeiro e a república que não foi que a sociedade carioca difundia a crença na sorte como uma forma de ganhar a vida sem trabalhar - o que me parece mais uma reprodução do senso comum que qualquer outra coisa, mas ideia que muito me enternece...

E olhem que a Paraíba é o único estado onde o jogo do zoo é legalizado. Lá os números correm pela loteria e os "banqueiros" pagam taxas ao governo, sendo assim a atividade foi afastada do mundo do crime e da corrupção e ainda gera divisas ao Estado. Não se deve brincar com a sorte... E, no fundo, não importa se você ganha ou perde, o Estado (ou estado) sempre vence de antemão qualquer aposta, como em 1984...

Walter Andrade

1 comentários:

Du Bruni disse...

Se lembrarmos que o livro de Orwell foi escrito em 1948, então a semelhança torna-se muito mais espantosa! As chances de ganhar na mega sena são de, aproximadamente, 1 em 50 milhões ("então eu tenho uma chance", pensam os mais otimistas). Por isso, por ser quase impossível, é que será permitido pelo governo? O dinheiro arrecadado com a esperança ou inocência da população contribui para as finanças estatais, e é um investimento pra lá de seguro, já que não parece existir a possibilidade de desaparecimento ou desabastecimento desse produto. Esse pessoal pertence ao grupo 18 do bicho: porcos!

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