9 de abril de 2011

POLITICALHA - Tragédia em Realengo: Muita calma nessa hora.


Com prudência pretendo dizer minhas palavras sobre a tragédia que ocorreu em Realengo, ou melhor, não tanto sobre a tragédia em si - já descrita pelo jornalismo - mas de assuntos que a circundam, ou que se ocultam por trás da mesma.

Nesse momento duro é necessário não perdermos a calma e a razão. Isto para que não sejamos levados pela inserção oportunista de velhas-novas plataformas de segurança mais rígidas e disciplinares. Seguem os exemplos.

1) Volta do debate sobre a proibição de venda de armas a civis.

Um pouco de pensamento nos leva a perceber a falácia do argumento: tal possibilidade de proibição de vendas de armas incide apenas sobre a aquisição legal das mesmas, lei que já foi rejeitada por plebiscito recentemente. Ora, para a aquisição legal de armas é necessário passar por exames psíquicos - do qual provavelmente o assassino não sairia aprovado - entre outras burocracias que seria ocioso citar aqui. Por outro lado, deve ser um direito do cidadão "são" defender-se legitimamente de atentados a sua residência ou vida, direito constitucional em democracias. A proibição de que civis possuam armas é característica histórica de regimes ditatoriais e dos mais antigos tiranos, pois assim a sociedade fica mais débil contra os poderes do Estado, possuidor do "monopólio da violência física legítima" (Weber), coisa que devemos desconfiar e criticar, posto que o Estado não é nem nunca fui uma entidade "neutra", e sabemos muito bem o tipo de polícia que temos por aqui. Defendamos a sociedade portanto, através da sociedade, e não somente do Estado. Isto é dito ainda contra certos sociólogos que apareceram defendendo assim o Estado: quando sociólogos defendem o Estado, é porque há algo errado...

2) "Satã Ghost tem o poder de enfurecer os seres e transformá-los em monstros incontroláveis"

Parece piada ou brincadeira de mau gosto, mas a metáfora tirada de Jaspion cai como uma luva para o que é preciso evitar nesse momento (espero que consiga transmitir isso com delicadeza, para que não pensem que eu estou justificando a tragédia): evitar transformar em simples monstro ao assassino que, na verdade, foi uma das possíveis - ainda que não prováveis ou recorrentes - consequências nefastas dos problemas de nossa própria sociedade. A começar pelo bullying pelo qual o rapaz passou durante a idade escolar (passaria muito provavelmente por trote se tivesse ido para uma Universidade), a ausência total de vida social (e não podemos aceitar que se passe a pensar a partir de agora que toda pessoa meio "antissocial" é um provável assassino), a inexistência de auxílio psicológico pelo SUS... Um absurdo que ainda se tome como "luxo" de classes mais abastadas à psicologia, tão importante nas nossas sociedades contemporâneas geradoras de neuroses e problemas psíquicos em alta escala! Pessoas que demonstram tais sintomas precisam de tratamento, não de exclusão ou estigmatização. É muito fácil culpabilizar por completo o outro, e nos tornarmos assim completos inocentes (é claro que as crianças eram sim inocentes do que ocorreu). Fazemos parte de uma sociedade, de uma comunidade social, precisamos ser cidadãos responsáveis e que intervenham na mesma para a sua melhoria, buscando entender os sintomas, os fatos, as mazelas que ocorrem, encontrando suas causas e combatendo-as como médicos antes que policiais.

3) "A miséria do jornalismo"

Os jornalistas da Globo mostraram o quanto sabem sobre a cidade além do túnel rebouças: estereótipos (pra não dizer que não sabem nada). - Como é Realengo? - Não sei... sei que é longe do centro, que fica perto de Santa Cruz (foi a resposta de uma "jornalista" global). Além da teleologia de uma delas, que queria que um psiquiatra afirmasse que poderia se prever 10 anos atrás o assassinato dessa semana, por conta de sintomas apresentados pelo rapaz anteriormente. É muito desconhecimento sobre a cidade (dos seus "apartamentinhos da gávea"), e muita estreiteza de pensamento psicológico...

4) Detector de metais ou PM's nas escolas/universidades

Não é que surpreendentemente o próprio Rodrigo Pimentel foi contra a proposta?! Disse ele muito bem que isso não teria evitado a tragédia, certamente um possível guarda seria igualmente assassinado por alguém tão decidido a fazer o que fez. Por outro lado, é inconstitucional a presença de polícia militar (que é estadual) em universidades federais (só é aceito a existência de vigilantes e/ou de polícia federal ao que me consta). Imaginem nossa PM dando uma dura em estudante dentro de universidade pública? Simplesmente inaceitável.

5) Tragédia

A definição de tragédia - desde o teatro grego - exclui por princípio a ideia de controle e previsibilidade. A tragédia é isto, o lugar do imponderável, do aleatório, da surpresa, do choque, do horror. É duro lembrar disso, mas a tragédia faz parte do mundo humano. Como já dizia em O Poderoso Chefão: "Se a história nos ensinou algo, é que qualquer um pode ser assassinado", especialmente quando o assassino não teme pela sua própria vida.

Espero que os leitores não suponham a indiferença para com a tragédia daquele que vos escreve, a intenção é apenas não cair em clichês direitoides que buscam capitanear o desejo mais sincero de segurança das pessoas em plataformas políticas enrijecidas.

Walter Andrade

2 comentários:

Bruno Silva disse...

É verdade, sabemos que situações-limite e tragédias imponderáveis (mas a postagem nos ensina que todas são! rs) são matéria prima para um jornalismo de rapina e para um discurso de interesses que não vão ao encontro do que precisamos, mas de encontro com aquilo que realmente necessitamos! Muito bom o texto!

Thiguim disse...

"A luta pela qual muitos irmãos no passado morreram, e eu morrerei, não é exclusivamente pelo que é conhecido como bullying. A nossa luta é contra pessoas cruéis, covardes, que se aproveitam da bondade, da inocência, da fraqueza de pessoas incapazes de se defenderem.”

Foi assim que o estúpido e boçal assassino se "justificou", em vídeo encontrado na casa dele.
Ou seja, em seu último ato ele foi cruel, covarde, se aproveitou da bondade, da inocência, da fraqueza de pessoas incapazes de se defender.

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