17 de janeiro de 2012

Estupro de BBB - Um Contributo Histórico


Já vai milenarmente incutido em nossas mentes uma crítica de "sólidos" e metafísicos princípios à sociedade do espetáculo, que põem o efêmero, a aparência e o fútil como manifestações superficiais, do outro lado do discurso verdadeiro e, para além do epidérmico, sob o signo do engodo - diríamos mais modernamente também sob o emblema dos interesses privados (Gilles Lipovetsky. O Império do Efêmero). Que esta descrição adapte-se com louvor à TV Globo, não se está muito longe do verossímil em muitos casos. Ocorre que nenhuma análise apriorística pode ter lugar quando ainda não se sabe se realmente ocorreu um estupro no BBB atual - que eu nem vi, aliás, só flashes sobre o caso. Não se pode aventar tão levianamente a ideia do "bode expiatório", do "racismo" (o rapaz era até contra cotas, estaria realizando talvez um serviço à Globo), da busca desenfreada por Ibope (que na verdade despencou desde então). Eu induzo que ocorreu sim, dada a sumária expulsão do "Brother" (que seria além de estupro um incesto?! rs), sem qualquer defesa feita pelo mesmo (contra a expulsão) e a investigação que a Polícia está fazendo, incluso com intervenção da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres. Tanto mais que "estupro de vulnerável" não exige "penetração", "apenas" abuso sexual.

A outra "justificativa" da total indiferença pelo caso é mais profunda, e se disfarça sob a ideia de que "devia-se usar o twitter e outros canais para detonar o Sarney e a corrupção, os reais problemas do país, não para expulsar um Brother". Ora... primeiro que uma coisa não inviabiliza, sem mais, a outra. Segundo que se está a querer dizer que o estupro então não é um "problema real do país"? Aí adentramos, quer queiramos ou não, no terreno da cultura do machismo, e aqui eu trago um contributo histórico à questão.

"O estupro na Era Moderna (Sécs XVI-XVIII) configurava uma transgressão moral associada aos crimes contra os costumes - fornicação, adultério, sodomia, bestialidade - e não aos crimes de sangue. Pertencia ao universo do impudor, sendo gozo ilícito antes que violência corporal. A visão moralizada do crime reforçava o silêncio da vítima sobre a violência sexual, envolvendo a vítima na indignidade do ato, transformando em infâmia o simples fato de ela ter vivido, pelos sentidos e pelos gestos, a transgressão condenada. O estupro só passou a ser considerado legalmente violência moral e física a partir do século XIX. Esta nova visão não permitiu, contudo, superar a vergonha da vítima ou a suspeita do investigador. Isto significa  que esses limites confirmam a manutenção da dominação sobre a mulher, a existência de um julgamento de saída inigualitário, a estabilidade relativa dos costumes, apesar da inegável mudança na lei. Elas ilustram ainda a duradoura dificuldade de levar materialmente em conta a consciência da vítima, de objetivar suas falhas interiores, essas perturbações do dominado pelas quais a violência é reforçada".


(Itálicos nossos, fragmentos selecionados e parafraseados de VIGARELLO, Georges. História do Estupro: A Violência Sexual nos Séculos XVI-XX. Jorge Zahar Editor: 1998).

Como se vê, a suspeita apriorística sobre a vítima de estupro ainda prossegue, a inexistência de uma educação realmente igualitária, no campo sexual, que ensine um homem a conter seus impulsos quando necessário, para não falar já da ideia comum de que mulher que usa pouca roupa está "pedindo" estupro, que é já puta. Ora, puta quer dinheiro por sexo, não estupro, e tem ainda o direito de não querer um dado cliente. Tudo isto demonstra que o estupro ainda prossegue, nos costumes, filiado à esfera do impudor e do machismo, antes que do crime. E assim, via BBB, um programa sem dúvida fútil, que eu particularmente não suporto, podemos sim, porque não?, discutirmos problemas reais do país, quando a ocasião assim surgir.

Walter Andrade

1 comentários:

Traquitana disse...

Deixando claro que, para os propósitos do post, pouca relevância tem se a conclusão do caso no BBB for positiva ou negativa; utilizei-o apenas como ponto de partida, como sintoma que deu passagem a uma série mais profunda de temas relacionados à cultura.

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