5 de julho de 2011

Mi Buenos Aires Querido

Como começar quando escrever sobre uma viagem é uma tentativa de reconstituição sempre, senão de todo inútil, por supuesto fadada ao quase isso, à prolixidade, ao "principal que fica fora do resumo"?

Hoje, para pessoas "baratadas", as anteninhas, os satélites e toda a informática nos permitem e sugerem viajar sem sair de casa, ou viajar antes da viagem. De modo que as fotos que você pode tirar de um lugar não diferem em quase nada das semelhantes que vemos na internet (com a ressalva daquelas em que você mesmo sai na foto). Sin embargo, nenhum Google Earth (estamos nós de novo falando dele!) pode te dar a sensação de visitar com seu próprio corpo os locais que você desejaria ir. Quanto menos esse texto que vos escrevo! Admitindo de antemão as limitações da empresa, seguimos viagem...

Há anos queria ir a Buenos Aires. Acho que há pelo menos uns 3 calendários completos a ideia tornou-se mais fixa. E fui agora, quando menos tinha condições financeiras...talvez quando mais precisasse então...

A cidade é muito além das expectativas. Vamos começar pelo humano nela. A rivalidade entre argentinos e brasileiros é patente, logo você não pode esperar ser bem tratado lá. ERRADO. Nunca fui tão bem tratado em toda a minha vida por pessoas desconhecidas. E não pense você que era por causa do dinheiro-de-turista! Porque qualquer um na rua fornecia informações bem explicadas (e até não perguntadas) sobre tudo que você quisesse saber da cidade... A única exceção, talvez universal, seja a dos taxistas, malandros que só, mas já sabíamos disso (somos cariocas!), então não caímos...

Ônibus coloridos de Buenos Aires
O transporte público lá é mais antigo que o nosso, tanto na infra-estrutura quanto nos próprios veículos. Pero são muito bem conservados, limpinhos (exceção talvez do Subte, o metrô de lá, e de alguns trens, que, no entanto, ligam toda a cidade...), os ônibus são bem coloridos, a suspensão em dia, e o preço, equivalente a menos de R$1 em média por viagem (falo do sistema de transporte público como um todo)! (Na volta pegamos aquele Real azul, do Galeão à Alvorada, confortável certo? Pois a direção agressiva do motorista já tinha desconjuntado o coletivo de modo que a suspensão estava horrível, ah! R$9...).

Andar em Buenos Aires é como voltar no tempo, para a década de 1990. Neon nas propagandas, bom número de carros antigos, letreiros de farmácia como os de filmes que se passam no Nordeste brasileiro...  O Rio de Janeiro é a cidade mais avançada da América do Sul, provavelmente.

A cidade é relativamente pequena, de maneira que fizemos quase tudo à pé (e parece ser hábito hermano também). Ficamos em San Telmo, espécie de Santa Tereza de lá (sem ser no morro), fomos
Casa Rosada iluminada à noite


ao centro histórico no 1º dia (Casa Rosada, Congresso, Cabildo... a parte "obrigatória" da viagem). No 2º saímos da cidade rumo ao Delta do Rio Tigre (passando por umas ilhazinhas bonitas com casas de veraneio), quando conhecemos o trem urbano (passamos pela Recoleta e Palermo, e quase sempre como um ônibus, já que não há tanto os muros entre o trem e a rua, nem o tal "espaço entre o trem e a plataforma"), e o tren de la costa, um pouco mais caro porque turístico ($32 pesos), margeando o Rio da Prata. No derradeiro dia fomos à La Boca, ver o Caminito (menor casa do mundo, de apenas 2 metros de largura), o estádio do Boca, comprar souvenirs e assistir um showzinho de Tango num restaurante, à noite fechamos com Puerto Madero, espécie de Barra da Tijuca (por causa de um grande shopping, o único que vimos em Buenos Aires), mas com poucos prédios e sem a privatização-condominização do espaço público e da existência, como o é aqui..

Teatro Colón
Detalhe: Quase não ouvi música ruim em todas as andanças. Tango (claro), pop-rock argentino, música internacional (quando apareciam algumas pop's ruins; aliás, americanas quase sempre). É preciso dizer que Carlos Gardel é praticamente unanimidade, um mito nacional que sobrepuja de fato todos os outros músicos argentinos. De Astor Piazolla não tive notícia... mas fui ver o Teatro Colón, onde ele tocou seu Concierto para Bandoneóns! 



Michel Foucault em banca de jornal!



Buenos Aires é muito politizada. Vimos 2 manifestações políticas num só dia. Visitamos a Universidad Popular de las Madres de Plaza de Mayo (não deu tempo de vermos a Universidad de Buenos Aires). Ademais, é preciso dizer que era necessário que o conto "O Memorioso" fosse escrito por um argentino, Borges: a capital argentina vive uma hiper-memória, museus surgem frequentemente, as manifestações clamam "proibido olvidar...nos." "Memória y Justiça, Juicio y Castigo..." aos partícipes da ditadura por exemplo, incluso a juízes que foram negligentes ou cúmplices da mesma. Vimos até um ato simbólico de uma associação catalã pela autonomia face à Espanha! A despolitização atual do Rio deve muito ter a ver com a transferência
Reivindicação no chão de Justiça de Transição Pós-Ditadura
da capital para Brasília, como me lembrou Bruno, além de outros fatores talvez inumeráveis... Ademais, é de se notar que o fanatismo pelo futebol, que os argentinos compartilham conosco, não os cega para a política... Aliás, vimos in loco a grande cobertura sobre o já provável rebaixamento do Monumental River Plate (confirmado pouco depois de termos deixado a cidade).

 
Bife de Costilla com Papas Fritas!
A comida (ah a comida!). Cada bife de costela! cada massa deliciosa (lasanha com queijo roquefort, pizza ao estilo italiano, fininha e com muito molho de tomate, daqueles que não se encontra nos supermercados). A carne vem com pouco sal para o paladar brasileiro. O que muito se deve ao fato de eles fazerem-na sem sal grosso, por exemplo, porque desidrata a carne. O sistema de churrasco é diferente (Parilla), já que há uma chapa que isola a carne da brasa, usando somente o calor para assá-la, não influindo assim em seu sabor, etc...).

O câmbio é favorável: cada R$1 troquei por $2,43 pesos, no Banco de la Nación Argentina, no próprio Aeroporto. As moedas são escassas e essenciais, para os ônibus (ah! o motorista não dá troco enquanto dirige, há uma maquininha para as moedas e uma outra semelhante ao "Riocard"). O castelhano achei tranquilo, só era difícil quando um ou outro falava rápido demais, o que é natural. Foi uma mão na roda ter decorado alguns essenciais “falsos amigos”, já que acordar significa lembrar, cancelar e abonar é pagar (!), chorizo é lingüiça ou bife de chorizo (contra-filé), além dos já conhecidos pelos comerciais do CCAA (mas saí de lá tendo comido e sem saber o que é o Vacío! nem na net encontrei a tradução). Ah! O choripán é uma delícia, versão do nosso famoso pão com lingüiça.

Viagem que começou antes do voo, na internet e na cabeça. E que nunca terminará, já que a memória sempre a reviverá e remodelará. E por mais que tudo esteja disponível virtualmente, o que nos salva é que não é possível substituir a experiência pessoal e singular de estar-lá ou em qualquer outro lugar. Amyr Klink já disse algo parecido...

Walter Andrade

Ps: Não consegui fazer um texto menor... e tentei dar uma dimensão mais humana e menos superficialmente "turística"; só pude ainda selecionar poucas fotos, para interpor no texto. Para mais fotos é só procurar pelo nome dos lugares.

3 comentários:

JG disse...

Que bom...

Sabe o que dá a mistura de um cearense com um argentino?

Um Porteiro que acha que é dono do prédio!

"Que la sigan chupando, que la mamen"

Walter disse...

Isso foi uma piada ou é verídico?

Thiguim disse...

É fato. Existe uma coisa entre preconceito e fato.

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