17 de novembro de 2011

Ensaio sobre a cegueira?

Certa vez ouvi uma história que me deixou estarrecido: os médicos nazistas testavam procedimentos cruéis em judeus prisioneiros, no intuito de conseguirem modificar a cor dos olhos, transformando-os em azuis. Para fazê-lo, os médicos injetavam tinta nos olhos das "cobaias involuntárias". Até hoje não sei se esta crueldade fazia parte do rol de loucuras do nazismo, mas a simples hipótese de ter sido verdade é suficiente para me fazer sempre menos entusiasta da humanidade. 
Quando se conta uma história dessas, hoje, muitas pessoas podem ficar abaladas pelo procedimento bárbaro então utilizado. Alguns, pouco mais sensíveis, chocam-se com a falta de escolha dos judeus, com a imposição dessa mudança estética. Número talvez menor é o daqueles que pensam: por que mudar a cor? O que isso pode significar? Ocorre que recentemente foi divulgada uma dessas descobertas inúteis da ciência: uma cirurgia a laser capaz de destruir a melanina dos olhos, que é responsável pela coloração castanha, fazendo revelar o azul que há por baixo. Quer dizer, a melanina atrapalharia a verdadeira cor! A "descoberta" partiu dos EUA, e seu responsável (o advogado Gregg Homer, da empresa Stroma Medical) espera que a nova tecnologia esteja disponível primeiro na América Latina e nos países asiáticos, afirmando que são mercados promissores e mais tolerantes à cirurgias estéticas. Será mesmo esse o motivo?
A discussão poderia enveredar por ramos intermináveis: do racismo à liberdade no gozo do próprio corpo, característica de nosso tempo, já tão acostumado às tinturas de cabelo, bronzeadores e lentes de contato coloridas. Poderia se discutir o paradoxo da geração: luta pela afirmação da pluralidade étnica e desenvolvimento de procedimentos sutis de recusa de alguns traços característicos do que alguns ainda chamam de "raça". Engraçado que o Michael Jackson, em entrevista ao jornalista britânico Martim Bashir, chamou a atenção justamente para a questão, pois se tratava de condená-lo (ao Michael Jackson) pela despigmentação da pele, enquanto as indústrias farmacêuticas seguiam faturando bilhões com cosméticos destinados a essas pequenas mudanças de fenótipo acima referidas, sem que isso gerasse grandes inquietações. A propósito, existe um vídeo que faz muito sucesso na rede, somando quase quatorze milhões de exibições. O título do vídeo: o bebê mais lindo do mundo. Mostra uma criança negra de olhos azuis. E se fossem escuros os olhos, será que o bebê seria considerado “o mais lindo do mundo”?
Ao que parece, existe o risco do desenvolvimento do glaucoma pigmentar resultado da cirurgia, podendo levar os pacientes à cegueira. Como o Saramago chamaria um surto proveniente dessa nova “maravilha” da ciência? O “mal azul”?
Além disso, o procedimento deverá custar algo em torno de cinco mil dólares (por olho). Então, eis um possível diálogo de consultório num futuro breve:
 
-Doutor, gostaria de ter o olho direito azul?
-E o esquerdo?
-O esquerdo eu vou usar para pagar a cirurgia!
  
Bruno Silva

1 comentários:

Anônimo disse...

As pessoas andam mais preocupadas com a forma com que são percebidas, a imagem que apresentam, a impressão que causam, do que com a própria opinião sobre si mesmas. Ser aceito pelos outros deve bastar. Talvez por isso, hoje em dia a moda é parecer. Ser é coisa do passado? Ou nunca esteve na moda?

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